domingo, 17 de fevereiro de 2019

Narrativa Poética - Cesário Verde



Uma cidade antiga, habitada desde os tempos mais remotos, vivia a mirar um rio que corria a seus pés, com fome de mundo e de infinito. Cheia de História, estava ligada às navegações, e confundia-se com os seus símbolos: uma barca e dois corvos. A tudo sobrevivia, tendo-se mesmo erguido, com uma face renovada, sobre os escombros provocados por um violento terramoto e pelo incêndio que se lhe seguira. 

Assolada por um novo terramoto, este mais subtil, o da modernidade e do Progresso, viu nascer no seu seio um poeta que a pintou numa fase decisiva de mudança de um velho para um novo mundo. O poeta, que trouxe a pureza do campo para dentro da Babel «corrompida», acabou por lhe dar uma alma, um rosto, e, quando partiu, ela retribuiu-lhe, edificando-lhe uma estátua onde hoje vão pousar pássaros protetores e mensageiros do além – tal como os corvos.

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