Pêro Vaz de Caminha
Pêro Vaz de Caminha ficou na História como o escrivão-mor da armada descobridora de Pedro Álvares Cabral; e ficou na literatura como o autor da Carta a El-Rei D. Manuel sobre o Achamento do Brasil.
Entre a História e a literatura, no seu caso, a diferença é inexistente: ele, involuntariamente, fez da História literatura – e poesia. Não o esperava, certamente, ao sair de Belém, junto ao Tejo, em 1500, em direção ao desconhecido – o que havia para além do horizonte?
É isto mesmo que sente um escritor, ao pôr-se a escrever um livro: o que vai encontrar página após página? Que maravilhas? Que terrores? Que perigos? Que triunfos sobre si mesmo?
O escrivão-mor não era conhecido por ser um poeta. Não era conhecido por querer escrever uma epopeia. Era um homem entre os demais, que tinha a incumbência de relatar o que ia vendo, numa viagem histórica que acabou por pôr o Brasil no mapa.
Involuntariamente ele escreveu a certidão de nascimento de um país, que, caso raro, senão único na História do mundo, teve uma certidão de nascimento. Estava-se a 22 de abril, chuviscava sobre uma extensão de praias que pareciam sair de um sonho, os tripulantes da armada puseram-se a dançar e a folgar com indígenas praticamente nus, era como se se recuasse a um princípio do mundo e a História dos homens ficasse suspensa na eternidade.
Pêro Vaz de Caminha, involuntariamente, era poeta, ao descrever o que via, e os seus escritos, ao serem enviados para o rei D. Manuel, em Portugal, rei conhecido por «O Venturoso», eram um poema dos mais belos já saídos da mente humana – porque filho da espontaneidade, e de um momento fadado a tornar-se eterno, na memória dos homens. Raramente, ou nunca, a História e a poesia tiveram um casamento tão feliz!
Apetece chamar a Pêro Vaz de Caminho o Alberto Caeiro da nossa aventura histórica ligada às navegações – ele não premeditou nada, não intelectualizou nada, e no entanto da sua pena saíram das mais belas páginas da História da humanidade. O Brasil deve-lhe a certidão de nascimento, este Brasil tão ligado à natureza, este Brasil que teve na alma índia as suas origens... E teve na dança, no espanto perante o desconhecido, na confraternização entre seres humanos que tinham estado separados por milhares de anos e por um oceano, o seu começo miraculoso... O tempo deixa de existir perante o milagre da poesia...
Jorge Chichorro Rodrigues
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