Fotografias para Urbano Tavares Rodrigues por Sérgio Jacques. Na FNAC Colombo até 04 de Setembro.

Partimos mais uma vez para Compostela, mas agora levo no bolso um pequeno livro que comprei num alfarrabista do Porto. O Urbano tinha 25 anos quando em Santiago escreveu estas crónicas. Agora, 75 anos depois, a cidade parece a mesma, o livro "Santiago de Compostela (Quadros e Sugestões da Galiza)" é a sua primeira obra editada, e com ela fomos novamente à descoberta desta "antiga metrópole da cultura cristã" como se referiu a ela o Urbano. Uma forma de evocar a obra de Urbano Tavares Rodrigues no ano do seu centenário (1923-2023), esta viagem e estas fotografias.

Sérgio Jacques, julho de 2023

Um olhar súbito, uma imagem dissipando-se entre a poderosa afirmação do granito de uma cidade de pedra eterna (p.22)(*). O olhar do Sérgio – como o de Urbano – percorre Santiago de Compostela. Um cenário que se identifica claramente numa imagem fugaz, quase trémula, como se nos transportasse para um “mundo imaginário” ou uma Estranha visão medieval! (p.15), numa semi-obscuridade que, esfumando os transeuntes, faz sobressair as densas paredes graníticas e define as curvas dos arcos que ladeiam as artérias, adensando o mistério do espaço. O Sérgio não é um forasteiro em Santiago. E por isso o seu olhar capta muito mais do que a imagem. Ele traz-nos a poderosa sugestão de Santiago (p.22), sem receio de “excesso” de emoções, honesta e verdadeira, repleta de familiaridades, de sentimentos confusos, de proximidade, de partilha, de interrogações e inquietações... Entre recordações e impressões, névoas e nitidez, o olhar do Sérgio busca, não o entendimento, mas a verdade entre o que é e o que vê – o que sente -, porque a arte é ver diferente (p.44).

 

Uma cidade e um apóstolo usados como símbolos do nacionalismo e da imposição ditatorial franquista, sub-repticiamente denunciado por Urbano, num tempo em que também vivíamos em ditadura. Terra de apostolado, terra de combate, é Espanha – a Espanha de uma nova cruzada, em prol de Cristo, contra os modernos inimigos da fé. Uma Compostela remetida, pois, para uma dimensão de intolerância que não rima ou não se enquadra e foca fotograficamente numa outra dimensão mais telúrica e identitária da cidade e das suas gentes. Porque ela era nessa época, como é hoje e sempre foi, afinal, um local de encontros, de introspeção e reflexão, o corolário de caminhantes e andarilhos que, sozinhos ou em multidões, guiados pela Via Láctea ou Estrada de Santiago, aqui chegam por caminhos que se foram construindo alicerçados, não na intolerância nacionalista e no erguer de fronteiras, mas no espírito de fraternidade e solidariedade entre os povos da Europa, independentemente dos seus lugares de origem, das suas línguas, das suas tradições e dos desígnios dos poderosos.

Suzana Faro e Joel Cleto

(*) - Urbano Tavares Rodrigues - Santiago de Compostela (Quadros e sugestões da Galiza). Lisboa: Editorial Noơcias, 1949.

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